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Arte é design (assim como a Administração, Engenharia, Medicina e tantas outras)
A criatividade está dentro de todos, assim como a capacidade de gerar design e arte
Uma questão polêmica recorrente entre os meus alunos ou entre os participantes dos workshops do qual participo é a minha declaração: “Arte é design”. Acredito que isso aconteça pelo fato de que as referências às obras de arte que costumamos ver nos livros educacionais são muito anteriores às referências aos trabalhos de design. Portanto, a frase chega estranha ao ouvido das pessoas.
Quem já passeou pelas páginas de um livro sobre a história da arte já viu as imagens pré-históricas das pinturas rupestres europeias ou das primeiras esculturas de algumas dezenas de milhares de anos descobertas pelos arqueólogos. Porém, os livros dos historiadores do design também começam com essas mesmas imagens geradas pela necessidade humana de comunicação.
No início da civilização, a manifestação artística teria funções místicas para tentar entender o mistério da vida humana dentro da natureza. A palavra original latina ars, artis significava habilidade técnica em algum exercício humano. Hoje, a palavra ainda gera debates calorosos e, para mim, permanece indefinida. A definição de arte pode variar no tempo, no tipo de cultura ou na subjetividade humana. Há quem diga que as sociedades pré-industriais não possuíam um conceito para designar arte.
Victor Papanek relata sua experiência entre os balinenses e os inuits (os originais habitantes de Bali e do Alaska). Ambas as culturas não possuem uma palavra para o conceito de “arte” ou “artista”. “Enquanto os balinenses dizem ’não temos arte, apenas fazemos o melhor que podemos’, a expressão inuit é ‘um homem deve fazer todas as coisas corretamente’.” Entre os inuits não existem as palavras “criar” ou “fazer” como conhecemos. O conceito mais próximo é “trabalhar com”, o que significa que eles se importam mais com o ritual do que com o final do processo. A arte se confunde com a vida.
Embora a palavra “arte” seja milenar, a palavra “artista” é registrada na Itália somente no século XIV indicando os artesãos e os que praticavam artes liberais. As palavras “artificial”, “artifício” e “artesanato” foram geradas com o antepositivo art(i), elemento de composição derivado do latim ars, artis.
Para os irmãos Campana, existe pouca diferença entre os designers e os artistas porque “ambos são pesquisadores e testemunhas de seu tempo”. Esse pensamento foi dito em 2013 na entrevista do lançamento da segunda parceria dos Campana com a Lacoste. A edição limitada de 11 camisas ganha o status de obra de arte e foi produzida em parceria com as artesãs cariocas da Coopa-Roca, organização de desenvolvimento sustentável e socialmente responsável da favela da Rocinha.
Johann J. Winckelmann, considerado o pai da história da arte, tinha uma teoria: “A beleza é o resultado da materialização de uma ideia”. No caso da moda, o patrono da beleza é a Lacoste, os artistas e designers são os Campana e as artesãs “materializam” a ideia. Visto de outro ponto de vista, a arte está no ambiente conceitual da heurística e o artesanato manualmente repetitivo está no comportamento algorítmico no qual as pessoas seguem um conjunto de procedimentos para atingir uma única conclusão, a original idealizada pelos Campana. Outros artesãos podem assumir uma atitude heurística, sendo eles próprios os artistas originais e também os responsáveis pelo trabalho artesanal da repetição criativa.
A palavra “artifício” entrou no meu radar quando estava estudando matemática e entendi que um artifício repetido algumas vezes se transforma em um método algorítmico. Novamente, os filólogos registram a palavra no século XIV como conhecimento técnico, ofício, ocupação, habilidade, aptidão, ciência, teoria ou sistema, mas também com o significado de astúcia, sutileza e simulação, como um procedimento pelo qual se procura corrigir ou disfarçar a natureza. A outra palavra em questão é “artificial”, que somente foi percebida no século XV, significando algo que envolve artifício, que é produzido pela mão do homem, não pela natureza.
Olhando a história da humanidade, nós começamos a exercitar artifícios quando nos transformamos em homo habilis, há 2 milhões de anos atrás, batendo uma pedra contra outra para produzir um instrumento pontiagudo, cortante ou intimidante a partir de uma pedra comum. Criou-se uma metodologia primitiva, mas sofisticada para a época, que funcionou elevando a nossa possibilidade de sobrevivência. Ninguém àquela ocasião imaginou estar exercitando um artifício. Embora os humanos pratiquem o que as palavras significam, elas só irão entrar na comunicação muito tempo depois.
O conceito de design começa a surgir também no século XIV, como as palavras “artista” e “artifício”. Mas o entendimento do profissional de design, o designer, somente aparece 300 anos depois, no século XVII nos preâmbulos da Revolução Industrial, na transição do artesanato para a manufatura industrial, quando alguém fazia um projeto de algo que seguiria em um processo de cópia massificada. Como curiosidade, quando William Shakespeare escreveu suas peças imortais, a palavra “design” existia, &8232;mas “designer” ainda não. Estima-se que existam hoje 540 mil palavras na língua inglesa, cinco vezes mais que no tempo em que Shakespeare foi capaz de escrever tantas obras magníficas. Os dicionários são orgânicos e não param de crescer.
Não sou um historiador, nem uma pessoa neutra em relação ao design. Tenho opinião e pontos de vista sobre a disciplina que abracei na minha vida profissional inteira. Para mim, design é tornar tangível uma intenção de transformação.
Quando comecei a estudar a metodologia do design thinking, descobri o mestre Herbert A. Simon, um psicólogo que conquistou o Nobel de Economia com sua “pesquisa precursora no processo de tomada de decisões dentro de organizações econômicas”. Em 1947, Simon oferecia três elementos essenciais na sua teoria de tomada de decisão: inteligência, design e escolha, nessa ordem. Em seu entendimento, design é uma capacidade natural do ser humano.
Em 1969, ele lança o livro Sciences of the Artificial, onde diz que “artificial é o fabricado pelo homem, por oposição ao natural”. No livro, Simon diz que as ciências naturais se "ocupam de como as coisas são" e que o design se interessa por "como as coisas devem ser". Dito de outra forma, o design procura "a concepção de artefatos que realizam objetivos". Simon entendia que TODAS as organizações humanas são produtos da prática do design. Uma frase sua povoa repetidamente os textos teóricos sobre design thinking: “Faz design quem projeta cursos de ação com o objetivo de transformar situações existentes em outras situações preferidas.”
A partir do pensamento de Simon, os teóricos do design thinking dizem que “arte é design”, assim como a engenharia, medicina, negócios, arquitetura e pintura que estão relacionados “não como as coisas são, mas como elas podem ser... em resumo, com design”. Toda a cultura humana foi gerada a partir de um processo de design. Porém, se toda arte é resultado da prática do design, poucas manifestações de design podem ser consideradas como obras de arte.
Como dizia o mestre Papanek em 1971: “Design é compor um poema épico, executar um mural, pintar uma obra de arte, escrever um concerto. Mas design também é limpar e reorganizar uma gaveta, puxar um dente encravado, assar uma torta de maçã, escolher os lados para um jogo de beisebol em um descampado e educar uma criança. Design é o esforço consciente para impor a ordem com significado.”
Design e arte também têm uma característica em comum, ambas são manifestações essencialmente criativas. A criatividade está dentro de todos, assim como a capacidade de gerar design e arte. Todos nós nascemos com essas habilidades que vão sendo desativadas ao longo da nossa educação. Os adultos resilientes que conseguem manter uma confiança criativa são artistas e designers espontâneos. Entre eles estão os que se dedicaram à aprender mais profundamente as ferramentas que facilitam a prática da arte e do design e se tornaram profissionais. Porém, acredito profundamente que TODOS podem conseguir destravar a sua criatividade e colaborar para a construção de um mundo melhor.
Li recentemente em um livro chamado Creative Confidence, dos irmãos Kelley, que entre os tibetanos não existe uma palavra para expressar o conceito da “criatividade” ou “ser criativo”. A tradução mais próxima é “natural”. “Em outras palavras, se você deseja ser mais criativo, você deve ser mais natural”, assim como as crianças no jardim de infância. Uma das maiores artistas brasileiras de todos os tempos, a gravurista e desenhista Wilma Martins disse, aos 79 anos, que “passo um tempo costurando, depois desenhando, cuidando do jardim. Para mim, não tem muita diferença. Tudo vale a pena.”
Para encerrar e citando novamente Papanek, esse texto é dedicado “aos meus alunos, pelo que me ensinaram”, particularmente às gurias Ana Berger e Caroline Bücker e ao amigo Andre Bello que acreditam na transformação das pessoas e do mundo.
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